Tentativas

Eu tentei, juro como tentei. Tentei esquecê-la em amplitude e profundidade. Mergulhei em outros colos, festejei em outros bares, peguei várias estradas, torci em diversas arquibancadas. Até aprendi uma oração. E muitas orações depois ainda é ela que me desestabiliza, ela ainda é a única que amo com honestidade e despido de qualquer orgulho e até mesmo de dignidade.

Muitos meses depois fuga alguma conseguia me levar para longe dela. E eu tentei, tentei como nunca trazê-la para perto de mim. Fui mais honesto do que nunca, mais disposto do que nunca, mais intenso do que nunca. Me lancei ao amor, apostei todas as fichas, enviei um pombo correio para espalhar aos quatro cantos do mundo que ela era minha novamente e soltei fogos de artifício.

Ela estava diferente, porém. Estava comigo, e embora tenha se rendido maestralmente de corpo, não se entregara de alma. Não era mais a mesma, mas meu coração incorrigível a queria como fosse. Eis que ela se foi, de corpo, alma e mala, dando uma justifica qualquer que não convence a nenhum amante.

Eu tentei, juro como tentei ser nobre e perdoá-la. Não tentei não chorar naquela noite: me rendi novamente, dessa vez para a dor e o ressentimento. Mergulhei de cabeça no fundo do poço e a reerguida foi tão rápida quanto a queda, pois já o dia seguinte fora de recomeço, com um banho de mar pra início de conversa. E ao emergir de um longo mergulho – em mim e no mar – veio tudo novo: novos planos, novas expectativas e a convicção de que recordações do passado é no passado que devem ficar.

Eu vou tentar, juro como vou tentar traçar novos rumos. Não duvide da minha capacidade de desprendimento. Serão novos colos, novos bares, outras estradas e arquibancadas. Dela só terei a lembrança do olhar amendoado que reluz através do fruto do amor de outrora, minha maior alegria, o mesmo olhar capaz de consolar meu coração aquebrantado.

Haikai

Poeminha de (des)amor

Amor passado
Lembrança sufocada
Que dói sem parar

 

* Haikai (ou haicai) é uma forma poética muito breve, de origem japonesa, composta geralmente por três versos de cinco, sete e cinco sílabas. In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/haicai [consultado em 23-10-2014].

FemaleBits não morreu

Agora sou uma mãe de dois. Dois blogs, dois filhotes e amigos queridos. E como quase toda escolha que tenho que fazer entre opções que amo muito, sinto aquela leve culpa, aquela sensação de abandono com a opção que foi deixada de lado.

Desde o finalzinho de agosto me tornei colaboradora do blog Inquietude Entorpecente, a convite de uma querida amiga e sua “sócia”, a quem hoje também considero bastante. Junto comigo estreou no Inquietude um rapaz muito talentoso em tudo que se propõe a fazer, pai do blog E Até Minhas Opiniões e outra pessoa que já me conquistou. Somos quatro escritores da vida colaborando com esse projeto em comum, sem pretensão de ser muita coisa, mas tão somente de nos expressar e exercer nossa criatividade e gosto por essa atividade chamada “escrever”. Toda semana tem um texto meu publicado por lá, e o Inquietude tem posts de segunda a sexta, sem falta.

Porém o FemaleBits ainda vive, e sendo filho de uma única mãe que anda direcionando sua produção rarefeita para blog mais novo. Mas ainda é aqui onde vou publicar os textos que não tem muito a cara do Inquietude, ou mesmo aqueles que eu quero jogar na nuvem mas ainda manter em (quase) segredo.

Para ver os meus textos de lá, só clicar aqui. Mas, indico fortemente a leitura de todos os posts do Inquietude: você não perde por espiar 😉 .

Erros do passado: apagá-los?

Uma das coisas que me dá mais satisfação é ler meus próprios textos. Não que eu me ache a melhor escritora do mundo, apenas é bastante interessante ler a história da própria vida como se não fosse você que tivesse escrito. Pra falar a verdade, realmente não foi você, não como é hoje, mas uma outra versão sua, um pouco diferente, um pouco parecida. E conhecer a autora através de suas palavras, quando foi você que escreveu, é um processo de conhecer a si mesmo.

Tenho um orgulho de todos os textos que escrevi. Do mais pobre ao mais elaborado.  É inevitável, porém, identificar os problemas: o pensamento equivocado, a confissão pública de algo muito íntimo, as palavras mal lapidadas, o raciocínio mal encadeado e os erros de português. Eu tenho a escolha: pelo menos aqui, posso deletar, editar, transformar, e deixar tudo como se tivesse saído certo já na sua primeira versão. Só que modificar os arquivos não vai modificar a história, e nem quero, pois tudo contribuiu para fazer de mim o que sou. Posso então corrigir os erros de português: não vou mudar o curso da vida com esse gesto. Hmmmm… melhor não… Deixa como está. Até os erros de português servem para definir o meu retrato. O curso de português é feito todo dia na escola da vida. Amanhã mesmo já saberei de algo mais que agora.

Adaptação

A vida é feita de aprendizados. Hoje a gente acha uma coisa, aí passa por uma experiência e acaba mudando de opinião, ou então só evolui a mesma idéia, acrescentando argumentos, mas sem modificar sua essência. Sei que hoje eu sou muita coisa que eu não pensei que chegaria a ser, e muitas delas nem foram escolha minha. A necessidade obriga a gente a virar o que ela quiser, se quisermos sobreviver. A necessidade dita a música à qual devemos acompanhar. E minha música, se tivesse um nome, se chamaria “Independência”. Porque a necessidade me obrigou a deixar de ser uma pessoa que vive sob a dependência de “alguéns” para ser provedora da minha própria existência, e até mais que isso, de passar a ser o apoio de outras pessoas. Pensando bem, acho que isso é a definição de se tornar adulto, que de alguma forma está sendo um tanto incômodo pra mim.

Não, eu não acho que a independência é algo ruim. Não, eu não acho que se tornar adulto é algo ruim. Não, eu não acho que dar apoio a outras pessoas é algo ruim. Não, eu não estou perdida no mundo, sozinha e sem o apoio de ninguém. Só que essa mudança de vida – amparar mais do que ser amparada – é um tanto pesada, e meu coração acha que isso, embora em tempo, ainda não é o meu momento (ou talvez sejá só medo mesmo). Sair da bolha tem seu custo e seus prêmios.

Esse processo de independência é ainda mais peculiar no universo feminino. Numa sociedade em que os filhos – homens ou mulheres – em sua maioria só saem da casa dos pais pra se casar e constituir uma nova família, ser uma mulher que vai morar sozinha, às próprias custas, é uma modernidade, quase uma ousadia.

OBS 1: vale enfatizar que pra mim, depois de adentrarmos 13 anos no século XXI, isso deveria ser absolutamente natural e comum. O fato de ser uma modernidade me soa um tanto retrógrado.

OBS 2: eu nem saí de casa ainda e já estou de alguma forma sofrendo com isso. Ansiedade pura.

Pra mim, poder ir morar sozinha daqui um tempo é um prêmio. Vou decorar do meu jeito, receber meus convidados sem atrapalhar ninguém, conversar à vontade ao telefone, vestir o que eu quiser e me deitar na sala com os pés pra cima. Mas ninguém vai fazer meu café da manhã, nem me fazer um mimo. Pra ter companhia, vou ter a preocupação de cativar as pessoas permanentemente, vou ter de ser uma simpatia ambulante por necessidade. Vou ter de descobrir o que é praticidade em se tratando de administrar um lar.

Outro exemplo que vivencio é o fato de ser uma motorista por obrigação. Claro que eu preferiria ser levada pra lá e pra cá, aproveitar o caminho pra prestar atenção nas paisagens e pra dar um jeito na aparência. Mas não, eu é que sou a motorista, eu é que tenho que prestar atenção em tudo ao mesmo tempo, eu é que sou responsável pela vida de quem atravessa a rua correndo e de quem anda junto comigo. Tenho que acordar cedo pra já sair de casa arrumada o bastante, tenho que ir abastecer (não gosto), tenho que lavar o carro (não gosto), tenho que calibrar os pneus (ok, esse ainda hoje dou um jeitinho de fazer com que meu pai faça isso pra mim toda vez), tenho que ir levar os amigos em casa depois do passeio e voltar pra casa sozinha e correr os riscos da vulnerabilidade de ser uma mulher andando sozinha (e por isso evito com todas as forças sair à noite nessas circunstâncias). Mas a gente se adapta. Ponho uma música animada e o percurso vira uma pequena festa particular. Aproveito o semáforo demorado e passo um batom. Pago um seguro pra poder ser socorrida quando o pneu furar. E aqui acolá crio a coragem de pedir carona, mesmo tendo um carro, quando sei que vou chegar um pouco mais tarde ou quando o caminho é perigoso demais.

Quer mais? Tem mais. Os caminhos da vida me levaram a ter um gosto um tanto diferenciado em se tratando de lazer.

OBS 3: com “diferenciado” não interprete no sentido de ser elitizado. É apenas incomum, no sentido de diferente mesmo.

Não são coisas raras ou inacessíveis, mas são coisas que dificultam encontrar um grupo de pessoas que curtem as mesmas coisas, nos mesmos moldes. Acontece que encontro uma pessoa ou outra que se identifica com um pequeno nicho do meu leque de prazeres. Ou seja, essas identificações são esparsas, isoladas, e isso dificulta a realização “daquele encontro memorável com a galera”, e acabo me limitando a experiências tão esparsas quanto essa identificação. Mas a gente se adapta. Hoje – depois de muita luta – eu sei e adoro curtir a minha própria companhia com meus gostos peculiares. Concordo que isso me tornou um pouco solitária, mas foi pura necessidade, assim como foi necessário fazer desses momentos de solidão bastante prazerosos. Isso também me tornou um tanto individualista, pois a situação se inverteu de tal forma que eu PRE-CI-SO ter meu espaço e meus gostos respeitados, e me incomodo muito quando alguém me critica ou tenta modificar essas coisas que considero tão especiais em mim. Só que a superação dessa dificuldade se limitou aos pequenos prazeres. Os grandes – tipo uma viagem mais longa, um festival de música, o show daquele cantor famoso – eu não consigo fazer sozinha. Prevejo que é uma questão de tempo, e então superarei esses pontos também.

No mais, meu dia a dia é repleto de pensamentos inquietos. É assim mesmo? Jura? Será que isso significa alguma coisa? O que devo fazer? É a decisão certa? Ai meu Deus! Ave Maria cheia de graça, amém! Põe lembrete no celular. Deixa pra fazer depois. O dinheiro acabou! Não vou fazer isso. Vou fazer isso. Será? Eiii! Oiii! Poxa. E aí eu levo uma topada e percebo que, caramba, eu sou adulta e tenho resistido a essa realidade.

Romper minhas próprias barreiras é o objetivo do dia, todos os dias.

 

 

Segue uma música legal que está bastante relacionada a estes pensamentos. Embora o clipe não pareça muito com a temática. Acompanhe a letra/tradução.

Branco e nerd

Foi em 2006 que comecei meu contato intenso com o mundo da tecnologia, mas eu não sou nem nunca fui nerd. Ou geek, como preferem chamar de uns tempos pra cá. Mas ao longo desses 8 anos (já?? putz!) aprendi muito sobre esses serezinhos que hoje estão na moda. E sim, eu também sou simpatizante dessa turma gente boa. Mas eu me acho  uma simpatizante de verdade, e não só por modinha, e por isso essa galera nerd tem muito a minha admiração. É, eu vou chamá-los de nerd, porque nerd de verdade é nerd mesmo, e não geek. Se a pessoa se intitula geek, ou é intitulada de geek, pode crer que é modinha, e esses não têm a minha empatia pré-aprovada não.


Já passei muito vexame por conviver tão de perto com os nerds e não conhecer as melhores – na verdade, nenhuma! – consoles de games, não ser uma saudosista do Super Mario, não ter a menor vontade de ser uma das primeiras a adquirir aquele celular de última geração que já vai estar ultrapassado em um mês, não entender um pouco de eletrônica (na verdade, não entender um pouco de todas as ciências), não ler as principais revistas de tecnologia, não saber dar manutenção no meu próprio computador e tampouco saber configurar a rede sem fio da minha casa. Também não sei nada a respeito de Star Trek, não jogo jogos de tabuleiro nem RPG, mas essas coisas também são próprias dos nerds mais nerds.  Pra ser justa, nenhuma dessas características é exclusiva dos nerds, e também nenhuma delas (nem todas elas juntas) é suficiente para dizer que uma pessoa é nerd. Mas é inegável que a maioria dos nerds têm um pouco disso tudo. E são inteligentes. Ponto. Talvez dizer que as pessoas inteligentes das ciências tecnológicas possa ser a generalização mais acertada para definir quem são os nerds. Até me atrevo a dizer que a maioria das pessoas das ciências tecnológicas são muito inteligentes (sem demérito das outras áreas, claro que não). Talvez o raciocínio lógico/estruturado/prático desse pessoal, que se estende a todas áreas de suas vidas, é que faça parecer para a sociedade que essas pessoas são particularmente inteligentes (pra não dizer “nerds”). Encarar a complicação dos números – exatidão que amedronta a maior parte da sociedade – e ainda sobreviver certamente contribui para a sociedade em geral acreditar que as pessoas das ciências exatas (o que inclui as tecnológicas) são particularmente inteligentes. E nerds. É por isso que um médico especialista top é muito inteligente mas não é nerd. É por isso que um grande sociólogo phd em filosofia é muito inteligente mas não é nerd. É por isso que muita gente diz que eu também sou nerd, embora eu não assuma.

Sendo nerd ou não, o fato é que hoje eu entendo um bocado mais desse universo, e reconheço muitas coisas típicas dos nerds. Essa conversa toda foi pra justificar que eu tenho um carinho especial pela música “White & Nerdy”, de Weird Al Yankovic. Que na época que ela era um sucesso eu adorava, e nem entendia o inglês, muito menos o significado da letra. Outro dia desses tive a felicidade de reencontrá-la e a curiosidade de ler a tradução prestar atenção na letra, e ri muito! Ela é muito divertida! Ela fala a respeito de um cara “branco e nerd” de forma bastante caricatural, mas que tem seu fundo de verdade. Fundo não, a verdade tá no primeiro plano mesmo, rsrs, só que com uma pitada de exagero. Sei que figuras assim como a da música se perderam no passado. Eu gosto dos nerds dos anos 2000, os “normais”. E os (pseudo) nerds dos anos 2010 – os geeks – são uma forma transgênica e popularesca da versão da década anterior.

Para acompanhar letra/tradução da música, veja aqui.

Tudo o que eu queria falar sobre o mestrado e o mundo acadêmico

Alerta: isso é um ponto de vista extremamente pessoal e a intenção não é ser dona da verdade, mas apenas apresentar um ponto de vista que para mim é sim uma verdade, e que embora minoritário, não é isolado. Também não significa que a universidade seja essa caca na sua completude, claro que não. É só uma de suas muitas faces.

Acabou. Depois de rodar muito e bater muita cabeça com dilemas pessoais e notações matemáticas, minha vida de pós-graduanda acabou. Eu dei um fim nela, e não foi defendendo uma dissertação não. Resolvi admitir, no último prazo possível, que essa vida não era pra mim. Até daria pra terminar a pesquisa, me sacrificar um pouco e defender a dissertação, obter o título, nem que fosse pra guardar o diploma na gaveta. Eu tinha apoio de família, amigos, colegas, orientador, e institucional também. Tinha tudo pra dar certo, não fosse o arrepio na espinha que dava toda vez que eu vislumbrava o trabalho que eu ia ter pra fazer uma coisa na qual eu não botava fé. Eu estava tomada de uma COMPLETA DESMOTIVAÇÃO. E a gente não se sente desmotivado pra fazer uma coisa que a gente quer muito. Eu não queria aquilo.

Minha falta de fé não era incredulidade na minha capacidade não. Paguei todas as disciplinas e fui aprovada em todas elas com nota razoável (porque, claro, eu não consigo ser espetacular quando faço uma coisa na marra). No final de cada semestre, concluía: poxa, se me arrastando eu consegui sair sã e salva, com um tanto mais de dedicação, sacrifício e boa vontade eu faria parte da elite da turma. Minha falta de fé vinha na desconexão entre o que acredito – em se tratando de ideais pessoais – e o funcionamento da academia.

Tempos Modernos, de Charlie ChaplinImagina uma máquina, tipo um relógio, com as engrenagens expostas, que começou pequena, organizada e limitada. Foram adicionando engrenagens e ela foi se tornando capaz de produzir mais coisas, e coisas mais significantes. E a brincadeira foi ficando legal, e adicionaram mais e mais engrenagens, de forma não planejada, cada um à luz do que achava certo, e muito mais gente foi tendo acesso a ela, e ela continua acelerando a produção, dessa vez cuspindo resultados um atrás do outro, alguns muito bons, outros só o resto, muitos manchados, e vários repetidos. Algumas peças eram arremessadas pra longe, ninguém sabe de onde veio, quem dá manutenção emprega esforços no lugar errado, e assim segue a máquina, acelerada, empenada, capenga, e funcionando. Isso, para mim, é a academia.

Sinceramente eu não esperava um ambiente de funcionamento perfeito, regras delineadas, todos obedientes e felizes. Universidade é justamente um ambiente onde as liberdades devem ser exaustivamente experimentadas, e onde não deve haver controle sobre todas as coisas, pois assim sendo não haveria produção útil e diversificada. Mas se é nas universidades que se faz ciência, eu esperava sim que ela fosse mais imparcial e honesta. <<Nota: imparcialidade é um conceito muito relativo, Ok. Cada aluno, seja na graduação ou na pós, ao final do curso defende um trabalho, que não deixa de ser um ponto de vista pessoal, baseado em outros pontos de vistas pessoais e fundamentado em alguma técnica que deu certinho pra demonstrar que ele tinha uma razão minimamente científica. A universidade, porém, é um conjunto de milhares de pontos de vista, e acaba, dessa forma, se tornando uma entidade imparcial. Ou pelo menos deveria.>>

Hoje a academia possui algumas práticas e vícios que me causam repulsa.

Já começa errado

O cenário geral mostra que temos uma educação de base fraca. Nem entrarei em detalhes de extremos como cidadãos que saem do ensino fundamental semi-analfabetos ou do sacrifício do corpo docente que carrega nas costas a responsabilidade de lecionar displinas e transformar criaturas em cidadãos. Com a facilitação do acesso a universidade – o que é ótimo – a qualidade do ensino superior cai, já caiu, ou cairá em breve – o que é péssimo – porque muitos dos entrantes não estão preparados para serem não só receptores mas também produtores de conhecimento. Ok, eles podem/vão aprender a crescer como estudantes na universidade. Mas enquanto eles podiam estar além, se tivessem tido uma educação de base boa, eles se limitam a obter aprovação em disciplinas, assim como era na escola. E na hora do trabalho de conclusão de curso, BANG!, a bomba explode, e os alunos se vêem completamente perdidos, pressionados pelo prazo quase esgotado, e criam qualquer coisa que os permitirá ser aprovados e colar grau. Não neguem, isso é bastante comum. E aí essa massa de recém formados vai pro mercado quase tão perdida quanto entrou na universidade, e passa a somar no universo de desempregados e de pessoas que trabalham numa coisa que não tem nada a ver com a formação que têm. Não neguem, isso não está certo.

Paper trip

No finalzinho da minha graduação produzi um artigo que me rendeu uma apresentação em um simpósio regional. Viajei para o litoral do meu Estado, sozinha, e assisti todas as palestras e apresentações dos dois dias do evento. Achei interessante ver aquele povo todo (e nem era tanta gente assim) participando daquele evento. Mal tinha eu idéia de que era a realização de conferências que movia o mundo acadêmico. Nada mais justo! Conferências são onde se faz intensamente aquilo que é a coisa mais valiosa de uma vida em sociedade: a troca de conhecimento. É onde se estabelecem contatos, parcerias, derrubam-se pesquisas fracas, têm-se novas idéias, enfim.

Existe porém um outro lado, que não é um problema se o propósito da viagem for cumprido: as conferências são uma opção de lazer para muitos alunos. As conferências mais importantes são realizadas em destinos turísticos tradicionais, hotéis luxuosos, e muitos dos participantes são patrocinados (com passsagens e hospedagens, principalmente) pelas suas universidades ou instituições de fomento à pesquisa. Ok, até aí tudo bem. O problema é quando o aluno está turistando enquanto a conferência está rolando. Claro que é um equívoco a pessoa ficar 100% enfurnada na conferência e não aproveitar para conhecer pessoas e lugares e se divertir. Mas é uma completa falta de ética o acadêmico patrocinado participar minimamente da conferência, como por exemplo quando só apresenta o trabalho dele ou no máximo vai também participar da apresentação dos colegas pra fazer volume. Isso existe? Rá! É mais comum do que você imagina, amiguinho.

Após voltarem de uma grande conferência internacional, dois colegas fizeram uma palestra sobre como foi a experiência deles, e que fruto eles trouxeram na bagagem, a pedido do orientador. O que de mais interessante um colega mostrou foi como eram as paradas de ônibus na cidade, e o outro colega relatou uma meia dúzia de observações sobre a apresentação dele. E só. E é porque a conferência durou uma semana. Nos corredores, as conversas sobre as festas e passeios que eles fizeram eram muito mais volumosas, e prendiam mais a atenção público. Agora me diz: como a academia vai pra frente, desse jeito? Vai pra frente sim, mas numa velocidade muito menor do que seria com o verdadeiro comprometimento de TODOS os seus membros.

A qualidade duvidosa dos artigos aprovados nas conferências

Quando recebemos um email de aprovação da submissão de um trabalho científico a uma revista/conferência, normalmente vem a informação da taxa de trabalhos aprovados. Isso significa que seu trabalho está entre os x % melhores de todos os trabalhos que foram submetidos, de acordo com a banca examinadora. Isso é bastante últil para nortear inclusive o nível de tal revista/conferência. Só que infelizmente não se pode confiar plenamente neste número. Há conferências que, a grosso modo, existem só para levantar dinheiro através das taxas de inscrições (geralmente muito caras) e que aprovam artigos aleatoriamente. São eventos de renome, com baixas taxas de aprovação, nota elevada no ranking oficial de avaliação de publicações, que porém não cooperam o avanço científico devido a essa fraude. E, infelizmente, a informação de se determinada conferência é falsa ou não é uma informação de bastidores, e só quem tá muito antenado e muito bem informado chega a saber de coisas assim. Ou seja: se você aprovar uma publicação em uma famosa conferência internacional de nota X qualquer coisa, não fique tão feliz assim. Você pode estar se iludindo por ter sido sorteado pra fazer parte dessa encenação.

Eu mesma já participei de um artigo cuja aprovação me pareceu meio estranha: era uma conferência internacional, e aos poucos percebi que a orientadora estava dando vários detalhes do evento, indicando nomes, dando dicas, etc., e depois descobrimos que todos os anos ela tinha publicações lá. Pode ser que tenha sido mérito mesmo, mas achei essa taxa de sucesso um tanto viciada. Na época reconhecíamos algumas falhas no nosso trabalho. Hoje eu leio o artigo e realmente não entendo o raciocínio que expusemos lá (não porque esqueci das coisas, pelo contrário, aprendi um pouco mais). Juntando o cenário todo, eu realmente diminui minhas expectativas em o quão espetacular pode ser aprovar um artigo numa conferência internacional de nota A2.

Os exemplos estão abstratos demais? Pois depois leia este artigo do Gizmodo: 120 artigos científicos foram criados em “gerador de lero-lero” e ninguém percebeu

As panelinhas nas conferencias

Eu já fui aconselhada para não submeter um certo trabalho numa conferência X ou Y (nacionais, detalhe), porque a comissão organizadora era um grupo um tanto fechado, e era muito complicado aprovar um trabalho com eles. Como assim?? Então se eu não faço parte da panelinha meu trabalho não vai entrar na conferência, mesmo se ele tiver melhor que os trabalhos do grupo? Minha gente, cadê a ciência, cadê a imparcialidade, cadê a lógica nisso?? Então eu tenho que jogar meu trabalho nos eventos internacionais – sem demérito deles, claro que não – porque a comunidade daqui se fecha para o conhecimento produzido aqui, das panelinhas rivais, pra descobrir quem produz mais, quem faz mais sucesso?? Me poupe, nunca achei esse joguinho legal (no sentido figurado e literal).

O milagre da multiplicação de artigos

Como funciona a publicação científica, por posgraduando.comÉ aquela história de “põe meu nome no teu trabalho que ponho o teu nome no meu”. E assim a pessoa tem participação em um maior número de artigos, mas não trabalhou na metade deles, talvez sequer saiba explicá-los. Pra quê as pessoas fazem isso? Financeiramente só quem ganha são os pesquisadores que recebem por produtividade: quanto mais publicações eles têm, mais dindin cai na conta. Quanto aos alunos, ganham status perante a comunidade por terem muitas publicações, e em algum processo seletivo vão ganhar pontos na análise curricular. Fora isso, essas pessoas ganham a minha reprovação, e a reprovação de mais um ou dois milhares de pessoas que acham isso realmente desonesto. E digo com orgulho que já me recusei de ter meu nome como co-autoria de artigos só por pertencer ao grupo ou por contribuir no máximo fazendo a revisão do texto. Agora, participar do processo criativo, mesmo sem fazer “trabalhos braçais” ou sem escrever uma palavra, isso sim acho digno de incluir a pessoa no rol de autores, e por isso eu acho até certo o orientador entrar como co-autor dos trabalhos do seu alunado.

O que fazemos de nossas bolsas

Esse assunto é sempre muito polêmico. Quando entrei no mestrado ganhava uma bolsa de R$ 1200,00, e usava esse dinheiro para pagar minhas despesas de sobrevivência: aluguel, transporte, alimentação e um minimo de lazer. Comprei livros? Não. Assinei periódicos? Não. Paguei cursos? Não. Em tese, a bolsa era pra isso, pra financiar meus estudos (embora me manter viva seja uma forma de possibilitar meus estudos 😛 ). O mesmo acontecia com meus amigos. E quem recebe bolsa não pode acumular com trabalho, com exceção de uma situação bem específica, mas muitos amigos trabalhavam, e moravam em outra cidade, o que também não podia. Pra mim os R$ 1200,00 bastavam (com muito controle), mas a maioria dos colegas tinha que manter uma segunda atividade para poder se sustentar. Aí veio um amento e passei a receber R$ 1350,00. Comprei livros? Assinei periódicos? Paguei cursos? Não, não e não. Eu podia ter sido uma aluna melhor se tivesse usado o dinheiro da bolsa com os estudos. Pelo menos eu segui as regras, e não tinha uma segunda atividade, eu era só estudante, embora não estudasse tanto quanto deveria.

Fui patrocinada e pulei fora

Isso mesmo. Eu recebi um ano de bolsa (que solicitei cancelamento assim que mudei de cidade e comecei a trabalhar, já que não era de acordo com as regras) e não concluí meu mestrado. O governo jogou dinheiro fora investindo em mim, embora enquanto eu recebia a bolsa eu tivesse cumprindo com meus deveres de bolsista. É preto no branco. Uma professora a menos no Brasil. Me sinto muito culpada por isso.

Se cale pois você ainda está nas mãos deles

Apesar de todo o ambiente favorável para a produção científica, a universidade ainda é uma instituição paternalista. Claro que tem suas exceções, mas faz uma breve pesquisa aí: quem é o aluno que tem coragem de “bater de frente” com o orientador? O orientador não tem esse nome à toa, ele realmente manja mais das coisas do que seus orientandos, mas estes normalmente não costumam discordar daqueles, ainda que seja para alimentar uma discussão saudável. O orientador diz: “submeta!“, o aluno tem que parar de comer e dormir pra entregar o trabalho no prazo. O orientador diz: “seu trabalho não me convenceu, você foi por esse caminho mas vá pelo outro“, pode colocar o rabinho entre as pernas e cuidar de fazer o que ele faz. E não reclame. Você pode é discordar, ter se matado pra ele fazer tão pouco caso do seu trabalho, mas ele é o seu orientador, então obedeça. E, se o orientador não diz nada, não faz nada: se vire, o trabalho é seu e não dele. Provoque-o. Muitas das coisas que ele faz e a gente discorda a gente vai entender e aceitar só lá mais pra frente. E outros pontos você vai ver que era você mesmo que estava com a razão. O melhor que você faz é tocar seus estudos e defender seu trabalho ao final do curso. E resta aos covardes – oi? – jogar a merda no ventilador só depois que essa relação de dependência acaba.

Nem tudo é treva

Claro que todas as pequenas e grandes descobertas nasceram desse celeiro tortuoso que é o mundo acadêmico. São necessárias muitas pesquisas e resultados ruins para que sejam feitas grandes descobertas (veja a notícia sobre a polêmica com pesquisas “diferentes” financiadas pelo governo americano). É necessário que muitos alunos medianos entrem na universidade para que os alunos bons possam ser descobertos. É necessário que muita gente perdida – oi? – entre na universidade para que as pessoas vocacionadas se encontrem em salvem o mundo acadêmico. Esse texto detona o sistema e é também uma auto-crítica. Mas espero que, tendo a humildade de reconhecer que meu universo não é esse, as pessoas que nasceram para ser pesquisadores e professores continuem tocando suas carreiras com dedicação e responsabilidade: o futuro do mundo depende de vocês. Enquanto isso sigo tentando me encontrar, ainda.

Massagem cardíaca

Ele está em sono profundo. Todos os sinais vitais estão em perfeita harmonia, mas ele não tem exercido nada mais que seu papel biológico. “Vou tirar uma folga”, avisou, e até hoje não acordou. Dormiu? Desmaiou, morreu? Apenas viu que ocupar de realizar seus próprios desejos é mais valioso do que tentar realizar as vontades alheias (sem de fato nunca conseguir agradar ninguém), e para isso precisou olhar mais para dentro de si. Descobrira um gigantesco mar apenas superficialmente explorado. Um mar ora atormentado, ora calmo, cheio de cores e harmonia, e ao mesmo tempo obscuro e enigmático nos seus recantos mais profundos. Nadou, nadou, foi e voltou. Cada mergulho mais acelerado do que o outro, pois nada supria aquele desejo cada vez maior de conhecer a si mesmo. Orgulhou-se de muitas coisas, condenou tantas outras, mas tanto mais se conhecia, menos ele conseguia compreender a complexidade de seu próprio universo. Confundiu-se, perdeu-se, atormentou-se. O sono, a princípio apenas uma trégua para experiências intensas, tornou-se um pequeno pesadelo: caíra no limbo. Recolheu-se apenas para se resguardar das dores e angústias do mundo, e acabou afogando-se nas próprias inquietudes, perdendo o caminho de volta à vida. Não está morto, entretanto. Maior que seus medos é a sua vontade de ainda dar algum sentido à sua existência (é ele que vai dar, ou vai apenas descobrir?). Ele corre, procura, pensa, pensa (mais do que devia), e ainda tenta acordar. “Não quero acabar aqui, não quero acabar assim”.  Deixou sozinha sua dona, sob a guarda de sua cabeça, que nunca funcionou muito bem. “Preciso devolver a ela a vida”. Incompleta e perdida, a dona do coração vive uma rotina mecânica, mas de sentimentos inconstantes, diria até catatônica. Ela também quer sua vida – com sentido e emoção – de volta. E tenta descobrir em que momento da sua existência ela deixara seu coração se perder, se esconder tão bem dentro de si mesma. “Por que é tão difícil resgatá-lo?”. Ela pensa, pensa (mais do que devia), e não consegue descobrir qual das mil e uma hipóteses que construiu vai ajudá-la mais em sua busca. Mas ela sabe que vai acordar seu coração, pois hoje é o seu maior desejo. E ela quer fortemente amar. Ela quer fortemente sorrir com o coração. Ela quer fortemente encher sua fala de carinho. Ela quer fortemente ajudar as pessoas, de coração. Ela quer fortemente que as pessoas lhe digam: “Puxa, é tão bom estar com você!” e que essas mesmas pessoas estejam de fato perto dela o tempo todo. Ela quer fortemente fazer o bem. Ela quer fortemente desejar fortemente todas as outras coisas de uma vida com sentido, quando ela devolver sentido à sua vida.

A casa, por Patrícia Corso

Todo bom texto deve ser compartilhado. Segue então mais uma leitura que de tão linda quis reproduzir aqui.  É o tipo de texto que penso: eu adoraria ter escrito isso. Para ver no blog da própria autora, só clicar aqui.

“A CASA

Não é só a palavra que é mais agradável: tudo numa casa é mais simples e menos consoante que num apartamento.
O apartamento é todo concreto.
Tem 3 quartos, sala, dependência.
Apartamentos tem plantas que medem metros quadrados.
Casas tem jardim.
Apartamentos tem entrega de chaves, primeira locação e são financiados em 30 anos a juros baixos e muros altos.
A casa sempre foi de alguma avó e tem história – e só.
Apartamentos são invariavelmente de verdade.
São um bom investimento, diz o economista.
Apartamentos são sempre imóveis.
A casa não; a casa é toda fluida, toda ideia.
Desde criança a gente tem uma casa, aprende a desenhar uma casa.
Toda casa tem telhado vermelho e chaminé, mesmo quando não tem.
Toda casa tem quintal na frente, mesmo quando não tem.
Toda casa fica numa rua de pedra com criança jogando bola, mesmo quando fica na Marginal Tietê.
O sujeito pode ser proprietário de mil apartamentos, mas olha ali:
à noite, cansado e com saudade, ele volta é pra casa.”

Houses

Celeste e Jesse para sempre

ALERTA DE SPOILER!

Era uma vez dois melhores amigos que se amavam e se casaram. Mas o casamento não deu muito certo, embora ainda houvesse amor. E continuaram sendo melhores amigos, mesmo após a separação. Ela, bem sucedida no trabalho, ele, um rapaz meio perdido. Ela super atarefada e cheia da razão, ele todo manso e amoroso. Ela pediu a separação, e se considerava madura, e acreditava ter feito a melhor escolha para os dois, e torcia pela felicidade amorosa dele. Mas os dois não se largavam, continuavam fazendo tudo juntos. Tiveram uma recaída, se amaram mais uma vez, ele quis reatar e ela achou que foi um erro. Até que ele decide, finalmente, tocar a vida, se envolve com outra pessoa e de repente se descobre pai. Ela desaba. Ela se redescobre. Divorciam-se, formalmente, e continuam chorando e rindo juntos. Amando um ao outro, como homem e mulher, mas sendo só amigos.

Assisti a esse filme no último fim de semana, que como nunca teve cara de adeus. Filme que me apareceu numa escolha aleatória de canal, típica coincidência maquinada por Deus pra nos ajudar a tocar a vida. Adeus. De repente meu nome era Celeste. Me vi de luto mais uma vez. Parece que antes só cortei todos os galhos de uma árvore já meio murcha, e deixei um tronco largo e profundo, fortemente fincado, aparentemente morto, mas com um resquício de sobrevida lá no miolo, quase imperceptível. Nesse fim de semana foi a vez de arrancá-lo pelas raízes. Não chorei. Era previsível, era necessário. Não houve erro. Mas doeu. Fiquei pesarosa por algumas horas. Mas o tronco não foi descartado, apenas foi para o lugar certo. E rapidamente eu entendi que agora sim está tudo bem. E rapidamente a gratidão e a amizade, outrora embaçadas pelo susto, reapareceram, agora ainda mais nítidas e agradáveis.

A história de Celeste e Jesse me ajudou a resgatar a Patrícia.

“Às vezes o fim é apenas o começo”.